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Milton de attribuir a invenção da artilharia aos Anjos rebeldes hé certamente atrevida e bella. Este invento fatal era bem digno parto de Satanaz, que quer correr parelhas com o seu Creador em poder e grandeza; e taes maquinas eram o meio que tinha para imitar os raios, e os trovoens, que em toda a Poezia sagrada, ou profana são chamados as armas do Omnipotente. O arrancamento das montanhas não foi huma menos ousada invenção do Poeta; porém nós estavamos mais familiarisados com esta idea, pela que tinhamos da guerra dos Titans contra os Deuses; acção que forneceo ao autor do Paraiso Perdido o exemplo para empregar na batalha do Ceo contra o Inferno as mesmas armas, servindo-se da mais bella descripção, que se encontra nas obras de Hesiodo.

Vejamos agora como Milton, evitando quanto tinham de improprio e inconveniente semelhantes descripcoens conteudas nas obras do melhores Poetas Gregos e Latinos, embelleceo tudo o que dellas imitou. Longino no seu tratado do sublime, aponta por exemplo huma passagem de Homero, imitada por Virgilio por Virgilio e Ovidio, em que o Poeta Grego diz que os Gigantes lançaram o monte Ossa sobre o Olympo, e o Pelion sobre o Ossa; juntando ao Pelion o epitheto Eivcoípuhov, para representar á imaginação o arvoredo, fontes, e rios, que cobrem, e regam as montanhas; o cego vate sem

patria escolheo com arte aquelles tres montes por serem os mais conhecidos da Grecia ; 0 cego da magna Albion, não pode imitar esta circunstancia, por não se haver conhecimento das montanhas do Ceo; mas imitou com maior sublimidade o que tinha de bom Homero sem lhe esquecer o epitheto Εἰνοσίφυλλον, por que as montahas arrancadas pelos Anjos tinham tambem quanto nellas se encontra de arvoredo, penedos, e ribeiras. O sabio Epico Grego descreveo depois Vulcano accendendo hum brazeiro para seccar o rio Xanto, e Minerva lançando hum rochedo enormissimo sobre Marte; mas a pezar de ter Milton huma imaginação não menos fecunda que a do Cantor dos Gregos, e a de Claudiano, não lhe imitou o que tinham de tumido, ou de pueril; principalmente na descripção que nos offerece o fragmento da guerra dos gigantes d'aquelle latino vate, na qual nos apresenta hum membrudo Titan arrancando a Ilha de Lemnos, e lançando-a com a officina inteira de Vulcano contra o Ceo; e outro da raça de Briarêo carregado com o Monte Ida, cahindo-lhe pelas costas em catadupas as agoas do rio Enipêo, que descia da montanha, que elle pertendia arremeçar contra os Deuses. Estes partos de huma imaginação desordenada não se encontram em Milton; pois que só vemos na descripção que faz da guerra dos Anjos o que há de magestoso em Homero, enriquecido pela imaginação de Claudiano, depurado das suas inconve

nientes e hyperbolicas imagens. E sem cançar os meus leitores fazendo-lhes notar a situação dos Espiritos rebellados quando viram e sentiram sobre si virem os montes e promontorios arrojados; nem outras bellezas que per si mesmas se recommendam: continuemos a comparar as seguintes passagens dos Mestres com as do Autor.

Virgilio diz que huma Divindade dera a Eneas a Espada que despedaçára a de Turno, porque esta era de huma têmpera humana. Milton tambem nos refere que a Espada do Archanjo Miguel, que partîra a de Satanaz, e fez tanto destroço nos Anjos inimigos, tinha sido feita no arsenal de Deus. Homero teve a mesma idea; e no Livro dos Machabeos ignalmente achamos que o Heróe, que tinha combattido á testa do Povo escolhido com immensa gloria e ventagem, havia tambem recebido em sonho huma Espada da mão do Propheta Jeremias.

A pintura do humor que sahio da ferida de Satanaz hé huma imitação de Homero, o qual nos diz que Diomedes ferindo Marte e Venus, sahîra das feridas de ambos hum sangue purissimo, que nada tinha de carnal, ou mortal, e que as chagas destas Divindades se fecharam per si mesmas no instante em que se abriram, posto que a dor dellas fosse pungente. As feridas de Satanaz e dos Anjos tambem não derramavam sangue como o dos mor

taes, e se cerravam no momento immediato a'quelle em que as recebiam.

Marte, na Iliada, tendo sido ferido se retira da refrega, e deo hum tão estrondoso grito como o de hum Exercito no primeiro ataque, de sorte que os Gregos e Troyannos que andavam ás mãos em hum geral conflicto se atemorisaram. Milton com propria conveniencia de costumes faz fugir Moloch do combatte, bramindo com a dor da ferida que tinha recebido, conservando assim toda a terribilidade desta passagem sem a mescla da futilidade do original assim dizendo.

Gabriel entretanto n'outras partes
Memoraveis acçoens tambem obrava;
Suas Phalanges tendo penetrado
As longas de Moloch hirsutas linhas:
Furioso Monarcha, que atrevido
Gabriel tinha já desafiado,

E ás rodas do seu carro promettêra
Ligado de arrasta-lo, blasphemando
De Deus o Unico Filho; mas a Espada
De Gabriel voando, de repente

Pelo meio o fendeo, e com as armas
Partidas, supportando dor estranha,
Fugio bramindo.

Pelo que fica exposto hé de suppor que Milton, antes de descrever a batalha dos Anjos, elle exci

tasse a sua imaginação pela leitura do combatte dos Deuses da Iliada. Homero nelle apresenta hum grandioso espectaculo, no qual os Homens, Heroes, e Deuses pelejam juntamente. Marte anima os dous Exercitos, e a sua voz hé tal, que d'entre os gritos, e fragor da peleja se ouve distinctamente: Jupiter troveja sobre a cabeça dos guerreiros: Neptuno forma huma tão horrivel tempestade, que o campo da batalha, e os cumes das montanhas tremem em redor, e sob os combattentes: Plutão, cuja morada era no centro da terra, temeroso deixou o seu throno. Assim o Poeta Grego fez entrar n'aquella batalha tudo quanto a Natureza tem de mais sublime e temeroso. Milton derramou quanto pode haver de mais tremendo, elevado e maravilhoso na guerra dos Anjos. Os gritos dos Exercitos, o estrondo dos carros de bronze, os estragos da artilharia, os rochedos, e montanhas lançadas através os ares, os terremotos, o fogo, os raios, o Terror, os Abysmos, tudo peleja, tudo freme, tudo está em acção, tudo tem vida e movimento, e tudo interessa exaltando a imaginação do leitor, que sem demora forma huma idea conveniente da acção. Com que propriedade e elevação o Poeta faz tremer o solo celeste inteiro, á excepção do Throno de Deus, debaixo das rodas do carro sublime e tremendo do Messias? As armas de que este se serve são descriptas por Milton com maior conveniencia, e sublimidade do que aquellas que Homero

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